sábado, 24 de maio de 2008

O Negócio do Ônibus

Outro dia estava andando por Copacabana, assim meio pensativa, ainda escutando as palavras da dentista, no consultório da qual eu me encontrava havia pouco, sobre a necessidade de fazer em minzinha um tratamento de canal. Andava ainda um pouco zonza, não sei bem se por causa da notícia ou por causa do preço que vinha com a notícia, me perguntando que tipo de droga eu teria que tomar no dia do tratamento e como eu faria para pagá-lo.

Enquanto ainda pensava no meu temido futuro dentário ia me dirigindo ao ponto de ônibus, daquela forma automática, sem conseguir me decidir qual o ônibus que gostaria de pegar para me levar até em casa. Avistei então o 464-Leblon se aproximando, decidi que esse era o escolhido pois estaria vazio com certeza, com lugares vagos para eu poder escolher o melhor, nele me sentar e começar o caminho até o meu destino final, caminho aliás que sempre me proporciona um prazer infindo quando vou por ele escutando as músicas que selecionei para entrar no meu tocador de mp3.

À minha frente, também se dirigindo apressadamente em direção ao ônibus, um homem alto de blusa amarela. Entrei no 464-Leblon, escolhi meu lugar cuidadosamente (gosto do banco alto traseiro pois tenho uma visão panorâmica de todo o ônibus e posso ficar observando os passageiros, o cobrador e suas movimentações) e liguei a música. Essa é a parte mais importante de toda viagem de ônibus: o lugar onde sentar e a música para tocar. Quando terminei esse procedimento imprescindível para o bom andamento da minha pequena viagem de ônibus, me apliquei na segunda parte de toda viagem: olhar em volta e observar.

Foi então que percebi que o homem de blusa amarela que havia se apressado na minha frente em direção ao ônibus, se encontrava sentado conversando com uma senhora (deduzi que era sua mãe ou alguém que ele conhecia muito bem) e lembrei que não havia observado a presença da senhora se dirigindo apressadamente em direção ao ônibus. E então, obviamente, me perguntei: será que eles fizeram o negócio do ônibus?

Ao me fazer essa pergunta, e ao perceber o quão improvável essa possibilidade era (vocês entenderão porque quando explicar-vos o que é o negócio do ônibus), notei o quão entranhado em mim era o tal negõcio, do qual fiz muito uso lá na minha adolescência e comecei a pensar sobre a disposição que os adolescentes têm. E aqui devo me conter pois estou já quase concluindo antes mesmo de terminar a exposição. Eu sei, sou afobada, aliás afobadíssima pois também sou exagerada! (notaram o ponto de exclamação ao final da frase? Também é um sinal do meu exagero. Se não me controlar, pontuaria todas as frases com uma exclamação!).

Mas enfim, quando eu tinha por volta dos quatorze anos, não havia celular ainda, pelo menos não esse uso extenso de hoje em dia. E nem eu nem minhas amigas tínhamos carro. Então quando queríamos sair juntas pra algum lugar, cada uma partindo de sua respectiva casa (sim, porque adolescente nenhum chega sozinho a um lugar, os adolescentes por definição andam em bandos e chegam nos lugares em bando e por mais que eu acreditasse não ser uma adolescente comum – quanta presunção! - eu obviamente repetia o comportamento padrão dos outros da minha idade. O que até me faz pensar se não somos mais animais nessa idade do que em qualquer outra, porque ao mesmo tempo em que queremos nos diferenciar, temos quase todos o mesmo tipo de comportamento. Mas enfim, já estou me desviando do assunto novamente.). Então, sem celular e de ônibus, tínhamos uma complicada rede de comunicação.

Sara morava em Ipanema, Hortênsia no Leblon, Maísa no Jardim Botânico e Olga no Humaitá. Nos encontrávamos com os outros de nossa tribo todos os domingos no Arpoador. A técnica que desenvolvemos foi a seguinte: Olga ligava para Maísa e avisáva-lhe que estaria a sair de casa naquele exato momento. Maísa então esperava cinco minutos, ligava para Hortênsia e dava-lhe o mesmo aviso. Hortênsia por sua vêz esperava o tempo necessário até o momento de sua saída e repetia para Sara o que Olga e Maísa já haviam feito, cada uma no seu turno. Essa era a primeira etapa do negõcio do ônibus.

A segunda etapa consistia em se fazer notar pela amiga do lado de fora, para que esta pudesse entrar no mesmo ônibus. Pois é, porque além de sem carro, os adolescentes são também sem dinheiro por “default” e por essa razão era impensável gastar o dinheiro de mais de uma passagem, às vezes até o de uma única passagem já era demais, perdi a conta das vezes que já conversei com o trocador para poder descer por trás do ônibus sem pagar a passagem.

Devo dizer que essa segunda etapa era a essencial e teve de ser aprimorada depois de algumas tentativas frustradas.

Na primeira versão da segunda etapa a amiga que se encontrava dentro do ônibus se punha em posição de se fazer notar pela amiga de fora do ônibus, se debruçando pela janela e balançando veementemente os braços. Se isso não fosse o suficiente, um leve grito chamativo era usado como segundo recurso. Mas todas concordamos que essa talvez não fosse a forma mais eficiente e resolvemos aprimorar a segunda etapa do negócio do ônibus para uma técnica mais elaborada.

A segunda versão da segunda etapa era bem mais simples, sem a necessidade de pendurar o torso para fora do ônibus com o abano frenético dos braços e o gritinho estridente pelo nome da amiga. Não, a segunda versão da segunda etapa era mais contida, mais madura, que nos fazia até quase sentirmos-nos mulheres ponderadas (todos gostam de se enganar às vezes, porque afinal de contas quem conhece Sara, Hortênsia, Maísa e Olga sabe que a última de suas qualidades – e acreditem, são mulheres de muitas – é a de mulher ponderada).

Ao chegar perto do ponto em que a próxima amiga estaria, uma delas calmamente se levantava, gentilmente fazia sinal para o ônibus parar e elegantemente se mantinha à frente do ônibus para a amiga de fora poder identificá-la e subir no mesmo.

Aplicamos esse procedimento inúmeras vezes, até uma das amigas começar a dirigir ou passarmos a ter mais dinheiro ou perdermos mesmo a disposição para essa técnica tão complexa.

Afinal de contas, uma das coisas fascinantes dos adolescentes é a sua disposição para programas furados, show ruim, o negócio do ônibus, a paixão avassaladora, o sofrer...o sofrer descontroladamente por amor!

Ao fim da minha viagem de ônibus já havia me convencido que o homem alto de blusa amarela e a senhora que parecia sua mãe, haviam se encontrado no ônibus por acaso. Desci um pouco antes do meu ponto, escutando “O cérebro eletrônico” do Gil.

2 comentários:

nevasca disse...

Prima...gostei dos "nomes fictícios"...hehehe...e claro, do texto!

Beijinhos

Mariana Kaufman disse...

adorei... reconheço isso tudo... ; )